a voz que sussurra
- shh
- nas linhas... as linhas... pelas linhas... entrelinhas...
Olá...
... disse o palhaço. De que ris? De mim? Se é, não deves rir assim. Ri-te antes da tua cara pintada e da idiotice que é rir a troco de nada. É uma idiotice feliz. Não acreditas? É um palhaço que to diz.
Criei...
... mundos sem fundo ao alcance da vista. Mas eles estão lá, a olhar para cima. Para mim. A dizer-me que é onde o meu lugar está. No fundo de um qualquer mundo. É um lugar assim-assim. Não é que agora eu desista. Não é. Nem é a mesmice que me desanima. Se calhar, é. O desinteresse é solo infecundo. É o fundo do mundo.
Degraus...
... de ombros constroem a escada da vida. São os ombros daqueles que nos carregam que mais nos custam subir. A esses, temos de lhes pedir. Os degraus que sobram são muitos mais durante a subida... são os ombros que nos pertencem de nascença e que sustentam tudo o que vem de seguida.
As pedras...
... choram-me debaixo dos pés. Perguntam-me: "quem és?" Demorei eternidades para saber. Primeiro, esqueci... fui viver. Depois, regressei e respondi: "não sei." Tive pena das pedras e chorei. A pedras riram de mim. Disseram-me: "nós somos pedras debaixo dos teus pés e tu é que choras assim?"
Nó...
... nos dedos, que aperta o coração. O coração é a mão. A mão fechada é uma casa trancada. Há casas que, lá dentro, não têm nada. Também há mãos assim. Por fora, há um vazio imenso. Por dentro, é mesmo um vazio sem fim.
O caminho...
... certo é uma estrada de montanha. Ou um comboio que já partiu. Ou um sinal que não se viu. Às vezes, o caminho certo é um trilho de pegadas na areia do deserto.
Rasga-me...
... a pele e sai-me do peito. É o único jeito. Mas não o quero. Não o aceito. Apaga-me os olhos e sai-me da memória. Faz dessa vontade o derradeiro fim. Depois, volta para mim e conta-me outra história.
Divino...
... encanto de ser maior do que sou. Tenho deuses no coração e mundos na palma da mão. Sou assim e não. Tenho descrença e devoção. Sou os meus deuses, num pensamento profano de acreditar que as divindades são o que são. Umas são estrelas no céu, outras são buracos no chão.
Cansei...
... de mim, hoje. Hoje, não. Sempre. É uma força estranha essa vontade de viver sob o peso de tamanho cansaço.
Crianças...
... são esperanças que são crianças que são esperanças. Ninguém está só na vontade de voltar a não ter idade. Esses é que são os tempos. Não interessa a mentira. Não se sabe nada de verdade.
Portas...
... abertas para uma janela sem saída. É assim, às vezes, a vida. Mas, em escassos acasos de sorte, a vida também é um miradouro que domina o infinito da vista. E aí pode-se respirar. Pode-se esticar os braços, encher o peito e sonhar.
Procuro...
... tesoura para me cortar as veias. Não quero mais sangue no coração. Nem rasgos de emoção. Nem sensações despertas por vontades alheias.
Assustam-me...
... os extremos daquilo que as pessoas sentem. Não compreendo como passam do amor à indiferença.
Hoje...
... estou triste. Por nenhuma razão especial. É como se a vida me fizesse mal. Quero mais e melhor, em vez de seja o que for. Pára. Entorpece-me os sentidos e acaba com esta dor.
Respirar...
... o ar que é de todos asfixia a solidão. Mas aquela solidão que se quer e não aquela que nos escolhe. Aí, nesse lugar, quero ser apenas eu a respirar.
Aqui...
... do fundo do coração, não sinto... minto. Ou não. Quase ninguém tem coração. O que se tem é um motor no peito. Somos máquinas com vida perdida. Nada do que fazemos é perfeito. Falta-nos jeito. Não é isso que quero. Não é isso que espero. Querer, quero apenas algumas coisas. Querer mesmo a sério. Esperar, não espero nada. Falta-me a fé para esperar de pé.
Todas...
... as pessoas nascem para viver sós. Algumas almas mais infelizes sabem que nasceram para isso.
Frio...
... como a indiferença, apenas o temor da sensação de que não temos coração. É um gelo que nos mata por dentro. É uma pedra que nos pesa no peito. É um rochedo onde nos pregam ao nosso medo. De pés e mãos. Até que todo o sangue se vá, e apenas o nosso corpo inerte fique lá.
Ficar...
... no sempre é confirmar o nunca indefinidamente. Nunca farei coisas diferentes. Nunca conhecerei novas gentes. Nunca admitirei o erros de um ponto assente. Nunca andarei para a frente. Sempre sempre sempre...
Começar...
... de novo sem antes acabar não é começar, é continuar às avessas. É uma aversão pelo que é certo. Já há demasiadas vontades assim. Esse é um contrário que não existirá em mim.
Estou...
... aqui, perto de ti. Mas isso é nada. Não há rosto no rosto. Não há proximidade partilhada.
Sorrir...
... com o mundo às costas não é difícil. Faz-se o que se pode para impedir a tristeza de quem queremos bem.
Sarar...
... velhas mágoas é o percurso de qualquer vida. Na memória, tudo dói. Mesmo a ferida que se julga desaparecida.
Enganos...
... desejados não são sempre errados. Também podem ser verdades que ninguém quer confirmar. Isso é que é errado. É? A verdade tem de ser sempre soberana? Às vezes, ela também não engana?
Sou...
... isto e muito mais. Haverá quem pense que sou menos. Não penso em quem pensa assim. Sou mão aberta de vontade incerta. A vida joga-se para perder. Não? Então, que se jogue para viver.
Querer...
... e poder são vontades diferentes dentro do mesmo ser. Querer é tudo. Poder é... querer mais.
No fio...
... da navalha, brincamos todos, com uma despreocupação canalha. É como brincadeira inconsequente na inocência da maralha. Inocência é eufemismo nascido da convivência com o cinismo. Mas não há cinismo aqui. Há apenas o que vejo. O que sei. O que vivi.
Dedos...
... que sentem o quente, aquecem com o calor da gente. Dedos que sentem o frio, arrefecem com o arrepio. Dedos que tocam. Dedos que chocam. Dedos que se dão. Dedos da mão.
Um sorriso...
... às vezes, é um aviso. É um grito de distância. Um pedido de proximidade. Uma defesa de última instância. Um ataque de intimidade. Às vezes, é apenas saudade. É assim, um sorriso. Uns dias é mentiroso. Em outros, diz a verdade.
Cortem-me...
... novamente, com mais um século de mim! Façam isso. A minha vontade continuará indomável, e o meu coração jamais será submisso. Como as árvores, a minha determinação findará de pé. Não sei se isso será morte, ou estranha sorte. Sei que, nesse dia derradeiro, serei eu, com tudo o que a vida me recusou e ofereceu.
A chuva...
... na terra molhada afoga a respiração do mundo. Satura-nos também, a nós, às pessoas... más e boas. Não há como fugir da intempérie. A água que jorra incessantemente do céu é como um véu que traz a morte da boa disposição, em milhões de sorrisos aniquilados, como a mais inclemente assassina em série.
Sinais...
... de cores que nos chamam para onde não queremos ir são a desgraça anunciada de não saber o que sentir.
Não sei...
... o que me espera para além da porta. É díficil saber se quero sair ou entrar se não sei de qual dos lados da porta pareço estar.
Quebrar o sorriso...
... contra tudo o que nos abate é azar de viver. O sorriso é que vence por nós tudo o que nos derrota. Os monstros deixam de ser algo atroz em cada um dos medos que deixamos de ter.
De repente...
... como um súbito golpe no dedo, agride-nos o medo. É coisa fria que aperta cá dentro. Vem antes do lamento. Mas primeiro é calor. É fogo na barriga. É tristeza irracional sem saber o que dizer. Nunca há quem nos diga por que razão nos dói assim a barriga. É instinto? É o que sinto? É o que sei? É o que não sei?
Saliva...
... que se troca em permissões ocasionais, assim, sem mais, são beijos de algodão-doce que se desfazem na boca sem dar tempo de saborear. Não são beijos, e muito menos intimidade. O que são é nada, na verdade. Nada de importante. Apenas isso. Permissões sem emoções.
No futuro...
... tudo será mais urgente. O tempo passar-nos-á rasteiras. Umas vezes, resgataremos o equilíbrio. Outras vezes, as quedas serão certeiras.
Faz-me corar...
... com palavras que me aquecem. Faz-me respirar com gestos que não se esquecem. Faz isso. Faz por mim. Espero que me gostes assim.
Acreditas...
... no coração que te pontapeia o peito? Aceitas essa agressão por dentro como um protesto sem efeito? És assim? Sem começo? Sem fim? És a teimosia da memória? És a personagem heróica da tua história?
Na distância...
... da memória engravidam todas as dúvidas e multiplicam-se em descendência impossível de contar. O crescer de uma ou outra barriga sabemos bem que são devaneios da mente. Mas há ventres que se enchem de razões e que carecem de explicações. É a distância. É a ânsia. É o não ter. É o não saber. Queremos sempre que a distância seja estéril de dúvidas. De receios. Mas também esses quereres são devaneios.
No escuro...
... dos olhos fechados vem o abraço. O abraço traz a pessoa. A pessoa transforma-se em sensação boa.
Só contigo...
... eu me sei dar sem achar que fico a perder. Só contigo eu sei sem saber. Só contigo sei ser eu. Só contigo sou para além do ser. Só contigo sei o que é ter. Só contigo sei o que é morrer.
Saltar...
... de um pé para outro, como se o mundo parasse a meio de cada passo, é diversão que nos ergue do chão. É a nova vida dos antepassados da infância. É a esperança de que o chão estará lá, para receber a metade que falta ao passo. É o espaço de tempo que congela aquele instante em que a chama é tão constante e silenciosa que parece parar no pavio da vela. É assim, saltar de um instante para o seguinte. É como o bom ouvinte que sufoca a vontade de falar mais do que ouvir. Quem sabe ouvir sufoca essa vontade e silencia-se nela. Tudo isto é um salto de coração.
O ciúme...
... é como um perfume. Aproxima-nos ou afasta-nos. Dá-nos desejo de proximidade ou vontade de distância. O bom perfume é aquele que mistura o quero e o não quero em doses iguais de fragrância.
Partilhar...
... o que se sabe e sente é bom e faz bem à gente. É o sopro de ar que ficou oprimido nos pulmões. É o aviso da intempérie a dizer que vêm lá os trovões. E depois chora-se. E o abraço demora-se. E o esticar de lábios vem também. É bom conversar com alguém.
Sim...
... é fácil de dizer. O não é que é herói. Custa-nos por dentro. Corrói. Diz-nos para sermos fortes quando seria muito mais fácil desistir. Quando seria menos doloroso abdicar de mim e dizer... sim.
E depois...
... de tudo o que fomos um para o outro, deixámos de ser. Então nunca fomos. Então nunca somos. É uma contradição, sentir. Enquanto o temos, raramente o sabemos. Quando o perdemos, custa-nos deixá-lo ir. Se isto não é piada, não sei o que mais há-de fazer rir.
Sempre a ser...
... é coisa que desgasta. É permitido querer não ser uma vez ou outra. Às vezes, vem-nos aquele desencanto do canto encandado da cantoria da sereia. A voz é linda, mesmo que a mulher-peixe seja feia. Isso não tem importância. Recorda-nos da infância. Recorda-nos de não querer saber do que são os rostos. Leva-nos de volta para o tempo em que fomos sem saber, alheios aos gostos. Essa foi a melhor parte do viver.
Sorrir...
... é ir para lá, onde tudo é bom, mesmo que nasça de coisa má. Se não é assim, é assim que eu quero que seja. Assim para mim. Sorrir até que o próprio reflexo me faça inveja. Até me olhar no espelho e perguntar: "do que é que tanto te ris?" Mas o espelho ri-se para mim. E mais não diz.
O coração...
... esse ladrão de coisas que nos pertencem. Ele também dá. Mas depois tira. Colocamos a mão no peito e vemos que ele não deixa nada lá. É coisa para provocar ira. Mas raiva verdadeira. É roubo de coisas que não se devolvem. Essa perda leva recordações que se dissolvem.
No fundo...
... é assim a desilusão dos dias. É o erro de não conhecermos as pessoas tão bem quanto pensamos. É também o erro de as conhecermos melhor do que queríamos. É sorte e azar, os dois amantes que acabam sempre por se juntar. Por se amar. É a face de cada pessoa, seja ela má ou boa. É o incerto. É a decisão que nos leva a assentar no solo fecundo ou a morrer no deserto.
E se...
... eu quiser que tudo seja diferente? Nascer de novo. Ser um fio de chuva no telhado. Ou o próprio telhado já a cair e descascado. Mesmo assim, quero! Quero ser de barro tosco em vez de carne e osso. É um querer inferior àquilo que posso. Ou uma folha no caule de qualquer flor. O que for. Deixem-se ser! Tudo, menos gente.
É sorte...
... não ter mais do que quero e não querer mais do que tenho. É sorte. Uma sorte que não tenho.
Sorri...
... e depois cansei. Vivi e depois parei. Fui assim, só para mim, durante o tempo que quis. O que fiz ficou feito. O que não fiz é arrependimento que o passado não me diz.
O toque...
... dos dedos é o beijo das mãos. Mas só quando se quer dar é que é mesmo beijar. Apertar os dedos contra os de outra mão... isso é forçar. Tocar é beijar. Apertar, não.
Sem raça...
... nem cor, os sonhos nascem de qualquer útero. Arrefecem com o frio e aquecem com o calor. É calma. É alma. É agonia. É alegria. É amor. É dor. Seja o que for. Sonhos são versos dispersos nas pontas dos dedos do escravo que quebra as costas diante do seu senhor. Os sonhos são como quem sonha... são cativos da vontade de quererem ser reais. Hoje, com urgência. Amanhã, a urgência dói mais.
Aqui...
... não há pena de não ser nem de não ter sido. Aqui, o que há é o riso que às vezes vem e que outras vezes fica escondido. Todos somos assim. Não é uma coisa só de mim. É como rimar. Vai e vem com o restolhar dos pulmões durante o respirar. É natural. É o construir arbitrário de versos onde tudo vale.
Junto ao peito...
... entre o sangue e a saliva, tempera-se a carne e saboreia-se o desejo. É esse o gosto do corpo que queremos para nós. É essa a vontade que nos impede de ficar sós. Quero-te quando te quiser e não te quero quando já não me importar de ficar só. A crueldade do peito é assim... sem dó.
No ar...
... os corpos são asas sem remorso. Todos vivemos lá em cima sem lembrança do passado e daquilo que escolhemos esquecer. Isso é ser e não ser. É viver.
No fundo...
... é assim que ficamos maiores e com força para aguentar esse tamanho todo. Sofremos da vontade de viver sem querer experimentar o lado mau das lágrimas. Sim, porque o lado molhado do sorriso também ajuda a empurrar para o lado aquilo que não queremos ter.
E depois...
... crescemos sem querer e sem aviso, como se houvesse obrigação de envelhecer contra a nossa vontade. Devíamos poder dizer "não quero!"
Quero chorar...
... assim, sem mais nem menos... assim, como todas as mágoas que temos. Quero chorar para me limpar de mim e das outras pessoas. Para levar as tais mágoas e deixar apenas as coisas boas. Quero isso esclarecido no meu pensamento submisso. Espero por algo parecido, mesmo que não seja isso. Chorar e deixar-me levar.
Subscrever:
Mensagens (Atom)